Já é conhecido o calendário de aplicação da Diretiva relativa ao relato de sustentabilidade das empresas. Estabelecido em 4 fases, com início em janeiro de 2024, prevê-se que as PME cotadas sejam abrangidas a partir de janeiro de 2026. No entanto, o calendário poderá impactar todas as PME uma vez que exige que as grandes empresas explicitem os impactos ao longo da cadeia de valor.

As PME cotadas, as PME com necessidades de financiamento e/ou com relações comerciais com grandes empresas, devem preparar-se para, a partir de janeiro de 2026, reportar – avaliar e melhorar – o seu desempenho nos fatores ESG, sob risco de se verem discriminadas (a prazo, excluídas) nos mercados.

Neste sentido, a FI Group Portugal promoveu uma sessão informativa para discutir o futuro da estratégia ESG e de que modo as empresas podem antecipar os seus desafios.

O webcast realizou-se no dia 22 de setembro (sexta-feira) e foi moderado por Mafalda Rebelo, da Equipa de Incentivos Financeiros da FI Group. A sessão contou com a presença de João Silva, Associate Partner da Crowe Portugal na área de Sustentabilidade & ESG, de Mariana Fiadeiro, Manager de Sustentabilidade na CUF e do Eng.º Mário Parra da Silva, Presidente da APEE.

“ESG é a sigla do momento e engloba três domínios importantíssimos: Environment (ambiente), Social (social) e Governance (governança ou gestão)”, indica Mafalda Rebelo no início do debate.

Num breve enquadramento, a moderadora lembra que “desde 2017, a Comissão Europeia tem trabalhado no desenvolvimento de um quadro legislativo com foco na sustentabilidade”. O respetivo quadro “é composto por um conjunto de regulamentos e diretrizes, destacando-se, por exemplo, a Non-Financial Reporting Directive, a Sustainable Financial Disclosure Regulations e a EU Taxonomy for sustainable activities”, refere.

Mafalda Rebelo acrescenta que “em janeiro deste ano [2023], uma diretriz adicional – a Corporate Sustainability Reporting Directive – ficou operacional”. Esta, por sua vez, foca-se nas falhas existentes na Non-Financial Reporting Directive, “aumentando o conjunto de empresas obrigadas a reportar sobre a temática da sustentabilidade”.

Neste sentido, as empresas devem reter as seguintes datas:

  • 1 de janeiro de 2024 – grandes empresas de interesse público (com mais de 500 empregados) já sujeitas à Non-financial reporting directive, com relatórios a apresentar em 2025
  • 1 de janeiro de 2025 – grandes empresas que não estão atualmente sujeitas à Non-financial reporting directive (com mais de 250 empregados e/ou 40 milhões de volume de negócios e/ou 20 milhões de euros de ativo total), com relatórios a apresentar em 2026
  • 1 de janeiro de 2026 – PMEs cotadas e outras empresas, com relatórios a apresentar em 2027. As PMEs podem optar por não participar até 2028.   

Num mundo em constante mudança, Mariana Fiadeiro afirma que “o ESG é, na verdade, uma inevitabilidade não só às empresas, mas também para toda a sociedade“. A Sustainability Manager da CUF – Hospitais e Clínicas  defende que “para além de fazer face a circunstâncias mais atípicas [conflitos armados, crises financeiras e outras conjunturas socioeconómicas e geopolítcas], e que vão surgindo de forma mais ou menos esperada, há também que fazer face às alterações climáticas, às mudanças dos ecossistemas, à promoção do bem-estar físico e mental dos colaboradores e por aí fora”.

Mariana diz ainda que o framework ESG ajuda a identificar, organizar e, acima de tudo, a priorizar as decisões associadas aos potenciais riscos que “este mundo em constante evolução” traz aos negócios: “se não forem considerados,  podem pôr em causa o funcionamento e sustentabilidade da própria atividade económica”.

Quando questionado sobre a possibilidade de haver um critério que se distinga dos restantes (a nível de relevância), o Engº Mário Parra da Silva refere que “quando nos colocamos na perspetiva das Nações Unidas, temos que pensar que há uma imensa problemática de caráter social que envolve o acesso ao desenvolvimento, o acesso à saúde, o acesso à educação. Erradicar a fome, erradicar a pobreza… esses são os objetivos de primeira ordem”. Neste sentido, “as alterações climáticas não têm qualquer tipo de importância quando uma enorme parte do mundo não sabe se jantará”.

Relativamente às questões de governação, o Eng.º Parra da Silva afirma que são recentes: “Penso que neste momento ainda não há nenhuma formação universitária sobre a matéria. A academia ignorou totalmente a governação das organizações durante anos e anos. O único curso mais ou menos à volta desta temática é da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra e é sobre a legislação aplicável às organizações”.

No seguimento da sua resposta, o Presidente da APEE clarifica que “o ESG não é a mesma coisa que desenvolvimento sustentável. É um framework para o report das empresas fundamental à volta dos riscos que estão envolvidos, gerados ou impactados pela sua atividade”.

Ou seja, “estes riscos, quer de origem ambiental, social, ou gerados na própria organização são fundamentais para que a integridade do investimento se mantenha e os mercados financeiros continuem a funcionar. Se não os gerirmos bem, todo o nosso modelo de desenvolvimento pode colapsar”, remata.

Numa altura em que o mundo está em grande convulsão, João Silva ressalva que são as empresas que devem “resolver as questões emergentes a nível ambiental e social”, dado o papel ativo das mesmas na economia.

No entanto, João confirma a dificuldade na implementação destas práticas no mundo empresarial, nomeadamente nas PME: “[O ESG] é confundido como algo que não traz negócio, algo que só traz custos acrescidos ou então que tem um investimento de baixo retorno. Normalmente, tendemos a negligenciar os benefícios que as alterações processuais nas empresas podem ter, a nível dos aspetos sociais ou ambientais”.

Na ótica do especialista da Crowe Portugal, outro desafio diz respeito à mudança cultural: “Nós não podemos apenas mudar os processos nessas empresas, sem que se consiga de facto mudar a forma de pensar, as crenças e os hábitos das pessoas”.

Por vezes, neste tipo de alterações, “temos também de fazer investimentos e nem sempre há os recursos necessários”, aponta. Além disso, a regulação desta estratégia surge para “forçar as empresas” a tomarem decisões neste âmbito, um considerável obstáculo, uma vez que as organizações terão de dar uma resposta “a níveis de exigência de report a que não estão habituadas”.

Face aos desafios elencados, Maria Fiadeiro dá a nota que estes podem ser mitigados quando vistos como oportunidades para: reformar e revolucionar a própria organização e a cultura da mesma; melhorar a eficiência  e otimizar os recursos; estabelecer relações mais estreitas com as comunidades locais; atrair e reter talento (dado que novas gerações estão mais sensibilizadas para estes temas); aceder a financiamento mais favorável; tornar-se “[mais] apelativo para quem investe e financia os negócios”.

“Nos próximos 3 meses, as PME portuguesas vão ter boas notícias”

Já a meio do debate, o Eng.º Mário Parra da Silva compara a implementação dos relatórios ESG com a certificação de qualidade que, quando se tornou obrigatória, levou a que muitas empresas fizessem “copy-paste dos manuais, uma vez que não achavam importante. Como já foi dito, era também visto como um investimento sem retorno, uma mania do mercado”.

Contudo, novas gerações de gestores aperceberam-se que “a metodologia da qualidade fazia com que poupassem imenso dinheiro. Na sustentabilidade, a situação é muito semelhante”, afirma. Neste caso, “não temos tempo para esperar que os empresários aprendam que a sustentabilidade é boa […] Portanto, o que é que vamos fazer? Vamos punir”. Para o Presidente da APEE, o benefício acaba por evitar esse prejuízo.

O Eng.º exemplifica com uma potencial ida ao banco para “pedir dinheiro e [a empresa] leva com um agravamento de juros porque não tem relatório”, como também facilmente pode perder um cliente, pois apesar de todas as qualidades que possa apresentar, terá de justificar porque optou por uma organização que não faz o report.

A alavanca para o ESG está a ser gerada a partir da mudança das condições do mercado, quer do financeiro, quer do mercado de compras“, assevera.

O Eng.º Parra da Silva dá ainda a nota que “o Estado português está a mobilizar-se, principalmente do lado do Ministro dos Negócios Estrangeiros e do Ministério da Economia. Nos próximos três meses, as PME portuguesas vão ter boas notícias acerca de como poderão produzir relatórios de sustentabilidade no framework ESG”.

Tendências emergentes no mundo do ESG

Quanto às tendências atuais no framework ESG, Mariana Fiadeiro confirma que o mais visto e falado é a parte legislativa, quer seja em webcasts, entrevistas, ou até mesmo formações.

“Hoje em dia, há mais três aspetos: o primeiro é o propósito das empresas (de que forma se cruza com o desemvolvimento sustentavel?)[…]; o segundo é o tema da cadeia de valor […]; e, o terceiro é a medição dos impactos, uma vez que já não é possível as empresas gerirem as suas atividades sem medir o impacto ambiental e social que terá na sociedade. Assumiria os três aspetos como tendências inevitáveis”, acrescenta.

Framework ESG também é para PME

Há quem diga que esta estratégia só faz sentido para as grandes empresas e não se encaixa na realidade das PMEs. João Silva discorda. Quando questionado sobre esta afirmação, o especialista na área de ESG, afirma que estes “podem ser fatores eliminatórios“. Por esse mesmo motivo, as PMEs devem estar sintonizadas com este tipo de requisitos: “Quanto mais cedo iniciarem esse caminho, mais rápido previnem os próprios riscos naturais do negócio. Ao mesmo tempo, vão se precavendo contra esta exigência cada vez maior nos mercados”.

João recorda que as PMEs estão mais vulneráveis a estas questões quando comparadas com as grandes empresas, sendo por isso fulcral conseguirem atualizar-se consoante todas as mudanças: “O know-how é escasso e, hoje em dia, tem uma validade muito curta. Precisamos de estar sempre a reinventar-nos”.

Considerações ESG na cultura corporativa

Já no final do debate, o Eng.º Parra da Silva salienta que é uma questão de tempo até haver uma “corrida a quem possa fazer o relatório”, mas, na sua ótica, esse caminho é errado: “devem fazer uma corrida a quem possa construir uma estratégia e práticas de sustentabilidade. O relatório emerge depois”.

O Presidente da APEE refere ainda que o Estado português tem um papel fundamental nesta matéria, “porque as empresas estão cronicamente descapitalizadas. […] Os empresários têm uma coleção de queixas justas, porque Portugal tem uma carga fiscal tremenda. […] Se não houver um forte empurrão do Estado, a competitividade do país vai sofrer terrivelmente com a quantidade de empresas que ficarão incapacitadas de responder aos requisitos das cadeias de valor, principalmente as internacionais”.

Numa nota final, o Engº. Mário Parra da Silva recorda que “a maioria das empresas falha devido à governança. […] Ninguém sabe nada sobre a matéria, mas a governação vai da ética na tomada de decisões à forma como lidamos com as nossas pessoas, com a diversidade, com a inclusão, com a igualdade de género, entre outros”. Por esse motivo, enfatiza que o framework EGS não deve ser entendido como “uma invasão aos poderes do patrão, mas sim como um testemunho de autoridade”.