A FI Group em parceria com Llorente y Cuenca (LLYC) organizou a 25 de outubro uma sessão informativa, onde foram debatidas as grandes linhas do Orçamento de Estado para 2024 no que toca ao financiamento e apoios às empresas.
Este webcast contou com a participação de Paulo Núncio, sócio da MLGTS e ex-Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, e de Rogério Fernandes Ferreira, Managing Partner da RFF Lawyers e antigo Secretário de Estado para os Assuntos Fiscais.
Além disso, António Valente, Diretor Comercial da FI Group Portugal, também deu a sua perspetiva sobre o que o OE2024 traz em termos de política fiscal e apoios para projetos que potenciam a I&D em Portugal.
A sessão foi conduzida e moderada por Nuno Magalhães, Diretor de Contexto Político da LLYC e ex-Secretário de Estado da Administração Interna.
Da Proposta de Lei do OE2024, resulta um exercício orçamental prudente com medidas não expansionistas, o que é sintomático dos diversos fatores de incerteza associados à economia internacional. Neste orçamento, as medidas de política fiscal apresentadas são, em certa medida, conservadoras, dando-se preferência à estabilidade do quadro fiscal e à redução da dívida pública num quadro económico internacional instável.
Numa primeira instância, Paulo Núncio intervém dizendo que o OE apresentado “não tem qualquer estratégia” para o desenvolvimento económico. “Na minha perspetiva, reforça o empobrecimento dos portugueses e do país”, refere. Para 2024, o Governo prevê um excedente orçamental relacionado com razões que pouco têm a ver com a responsabilidade do Executivo, entre elas, a inflação e os juros.
Para consolidar as contas públicas, “este Governo tem optado por uma receita” que corresponde “à despesa pública elevada e carga fiscal máxima”, o que na perspetiva do sócio da MLGTS é uma forma errada de o fazer, uma vez que penaliza o crescimento económico, o investimento e a poupança.
Uma forma mais virtuosa de consolidar as contas públicas é disciplinar a despesa pública e, consequentemente, criar espaço para reduzir a carga fiscal. Paulo Núncio diz que “temos tido crescimentos económicos medíocres, nos últimos anos” devido ao Governo não seguir esta política.
No que diz respeito ao OE2024, a despesa pública cresce “uns impressionantes 10%, ou seja, o Estado continua a engordar, continua a absorver mais recursos, criados e gerados no país. Neste momento, a despesa pública já está próxima dos 45% do PIB e, em resultado disso, inexoravelmente, a carga fiscal aumenta”, salienta.
Neste sentido, Paulo Núncio recorda que em 2016, “no início do mandato socialista, a carga fiscal estava em 34.1% do PIB. O Governo prevê ainda que, em 2024, chegue aos 38%, um aumento significativo em tão curto espaço de tempo, principalmente uma altura em que a carga fiscal média da União Europeia tem vindo a baixar”.
“Para compensar o aumento da despesa, a receita aumenta necessariamente”. O IVA cresce 8%, já contando com o acréscimo de 552 milhões de euros, resultantes do fim do programa “IVA zero” no cabaz de bens alimentares essenciais, bem como o ISP, que cresce 13%, e o IABA, que aumenta 37%. Também o imposto sobre o tabaco cresce 14%.
Relativamente ao IRS, o Governo anuncia um desagravamento relacionado com a redução das taxas até ao 5º escalão. O também antigo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais acredita que, nesta matéria, o Executivo “não está a mostrar o jogo todo, porque esquece-se de referir que, em 2022, não atualizou os escalões do IRS”.
“Tivemos uma inflação de 7.8% e, de acordo com o relatório emitido pelo Conselho de Finanças Públicas, essa decisão resultou num agravamento de IRS para as famílias portuguesas de 550 milhões de euros, em 2022. O que significa que, somando os dois anos, os portugueses sofreram um agravamento de 1100 milhões de euros”, explica.
Dado que a redução das taxas até ao 5º escalão, estimam 1000 milhões de euros. Desta forma, a medida não compensa o agravamento sentido nos últimos dois anos.
No que diz respeito ao IRC, Paulo Núncio diz que “é, uma vez mais, o parente pobre” do Orçamento. As empresas não têm qualquer tipo de medida adequada para promover o crescimento, o desenvolvimento, a internacionalização e o investimento: “As empresas vão continuar a pagar a taxa agregada de IRC mais elevada da União Europeia, 31.5%, o que é muito negativo para a concorrência europeia e global”.
Ao nível das tributações autónomas, o Governo propõe “ligeiríssimas alterações”. Para o especialista, “a tributação autónoma já não deveria existir, desde logo, porque são uma entorse ao nosso sistema fiscal e, por outro lado, com o nível de informação que a autoridade tributária recebe todos os dias do programa e-fatura, esse fundamento deixou de existir e, por isso, era de bom tom que a tributação autónoma também desaparecesse”.
Paulo Núncio deixa ainda a nota que o fim do regime para residentes não habituais “é uma decisão profundamente errada que destrói um dos elementos mais importantes em termos de atração de investimento que o sistema fiscal português tinha”. Muitos projetos de investimento contavam com o regime “para atrair mão-de-obra qualificada e, por isso, muitos projetos que estavam em carteira podem não se vir a concretizar”.
Além disso, o sócio da MLGTS afirma que “é extremamente falsa” a narrativa em que o regime para residentes não habituais criou uma perda de receita, pelo contrário: “o país ganhou na perspetiva orçamental e fiscal”.
Em última instância, Paulo Núncio refere-se ainda ao IUC, que é a “demonstração máxima do cinismo político”. Por detrás de uma “aparente preocupação ambiental, o que se pretende é aumentar a receita sobre as famílias mais pobres”. “Eu espero que com este levantamento cívico, com este protesto que está a decorrer, o Governo tenha abertura para pensar na medida e que a repense”, remata.
Já a caminhar para o meio da sessão, Nuno Magalhães passa a palavra a Rogério Ferreira para que analise os próximos desafios que o OE24 impõe aos portugueses.
O Managing Partner da RFF LawyersPara aponta, logo no início, que a Proposta de Lei Orçamental para 2024 é “do ponto de vista internacional, um bom orçamento”: a inflação tem uma tendência de desaceleração, o desemprego está relativamente controlado “e, por outro lado, temos crescimento previsto para o próximo ano”.
“É um orçamento um bocadinho dececionante. Por um lado, apresenta-se internacionalmente bem, mas quando vamos ao fundo destes indicadores vemos que se mantêm na mesma e no mesmo sentido”, assevera.
Nas palavras de Rogério Ferreira “passamos a ter um sistema fiscal em que a descontinuidade que existe entre impostos diretos e impostos indiretos é agravada, porque os impostos sobre o consumo aumentam mais do que os impostos sobre o rendimento”. Segundo o mesmo, em Portugal decorre uma “injustiça” que não é vista noutros países.
O Orçamento fica aquém também devido ao facto de não apresentar medidas para as empresas: “as que nós encontramos no IRC são de facto pífias, porque são curtas, mantem-se a taxa geral de IRC, mantem-se a derrama estadual e municipal”.
Rogério Ferreira salienta ainda que “as garantias dos contribuintes passam um bocadinho despercebidas” e, por esse mesmo motivo, valeria a pena esmiuçar aquelas que são propostas no âmbito da segurança social, que passa a ter acesso direto igual à da administração tributária.
“Hoje em dia, os contribuintes estão indefesos. O Estado criou vários mecanismos, automatismos, procedimentos e processos informatizados, portanto acho que valia a pena olhar também para as garantias dos contribuintes, bem como para o funcionamento dos serviços públicos, em especial destas matérias para os tribunais administrativos fiscais, mas muito mais importante do que isto é efetivamente as habilidades dos regimes, a certeza e a segurança na interpretação das normas fiscais e também não desbaratar instrumentos de competitividade por razões que sejam meramente ideológicas”, defende.
Contudo, não pode deixar de realçar o facto do Orçamento ter poucas alterações: “em princípio, é bom, porque não é num Orçamento que se fazem reformas estruturais”.
Relativamente ao que o OE2024 traz em termos de política fiscal e apoios para projetos que potenciam a I&D em Portugal, António Valente diz que é “um orçamento pobre para as empresas, sem grandes surpresas nesta mesma lógica. É o que pauta naturalmente o conservadorismo nas medidas de apoio ao tecido empresarial”.
Ainda assim, o Diretor Comercial destaca algumas medidas importantes para as empresas portuguesas. Neste sentido, inicia a sua intervenção com a que terá o maior impacto fiscal e que é um benefício já bastante utilizado: o RFAI – Regime Fiscal de Apoio ao Investimento.
A novidade diz respeito aos custos salariais decorrentes da criação de postos de trabalho de funcionários com um grau de mestrado e doutoramento que passam a ser considerados gastos elegíveis, “passam a ser aplicações relevantes no âmbito daquilo que é a natureza do benefício”.
Esses postos de trabalho devem ser mantidos durante um período de 3 ou 5 anos: “estamos a falar de uma PME de uma grande empresa, respetivamente”. António Valente diz ainda que “os custos salariais e os investimentos em ativos tangíveis não podem exceder 50% das aplicações relevantes quando estamos a falar sobretudo de grandes empresas”.
O Diretor vê a medida com bons olhos, “especialmente para as empresas que têm a necessidade de empregar muita mão de obra qualificada, por exemplo, as que se posicionam no âmbito das tecnologias de informação, que dão investimento em investigação e desenvolvimento relevante”. Porém, lamenta a própria limitação do benefício para as empresas que se situam na região de Lisboa e Vale do Tejo e Algarve.
Outro benefício merecedor de atenção, é o Regime Fiscal de Incentivo à Capitalização das empresas, “um regime que já existia e que neste Orçamento de Estado sofre uma alteração, de certa forma, positiva”. Neste contexto, “a dedução anual deixa de ser uma taxa fixa e passa a ser apurada por aplicação de uma taxa variável. Para exemplificar, se considerarmos a Euribor a 4% podemos chegar, com a majoração de dois pontos percentuais, a uma majoração de 6%”, exemplifica.
O Diretor Comercial destaca ainda o Incentivo Fiscal à Valorização Salarial, “que está em grande voga”. António Valente diz que “existe bastante ruído positivo com a questão de isentar o 15º mês. Porventura, nessa mesma lógica, este benefício talvez tenha sido simplificado”.
De acordo com o Diretor, o benefício fiscal “já estava no Orçamento de Estado de 2023, que prevê a majoração de 50 pontos percentuais daquilo que são os encargos dos aumentos salariais dos trabalhadores, com contrato de trabalho indeterminado, mas com esta alteração deixa de ser obrigatório que os aumentos salariais sejam determinados através do instrumento de regulamentação coletiva de trabalho”, o que anteriormente impedia a respetiva utilização.
Contudo, para usufruir do mesmo, tem de existir um aumento mínimo de 5%, mas, “infelizmente, há muitas empresas que não têm essa capacidade”. António Valente aponta que “estes 5% são calculados através do rácio entre aquilo que é a parcela da remuneração fixa dos 10% dos trabalhadores mais bem remunerados, em relação àquilo que é o total e a parcela da remuneração fixa dos 10% de trabalhadores menos bem remunerados”.
O Diretor Comercial reitera, por fim, os comentários de Rogério Ferreira e Paulo Núncio: “é efetivamente um Orçamento de Estado maquilhado, no sentido em que parece que se dá uma mão, mas eu diria que se tira com as duas. A carga fiscal aumenta, os apoios para as empresas são praticamente nulos e com o crescimento de 1,5%, ou cerca de 1%, não diria que é crescimento. É positivo quando comparado com países como Bélgica ou a França, mas quem me dera a mim ter o poder económico da França para me poder comparar a esses”.