O panorama industrial global encontra-se num alvoroço de transformações jamais presenciado nas últimas duas décadas. Apesar dos desafios impostos pelo cenário pós-pandémico e das incertezas em torno da utilização de recursos energéticos, a digitalização da indústria caminha a passos largos para se consolidar nos próximos anos. Esta rápida [r]evolução deve-se ao surgimento da Indústria 5.0, também conhecida como Quinta Revolução Industrial.
Ainda eram recentemente debatidas as características da Indústria 4.0 e os seus impactos nas empresas ao redor do mundo, mas esta acelerada dinâmica industrial levou várias pessoas a questionarem-se se, de facto, estamos diante de uma nova era industrial. A resposta é um sonoro “sim”. Mesmo que ainda em estágio embrionário em diversos segmentos de mercado, a Indústria 5.0 surge quase que em paralelo à Indústria 4.0, mas com uma proposta inovadora: a integração do ser humano às tecnologias automatizadas.
As novas tecnologias são, sem sombra de dúvida, eficientes a simular, mas falta ainda capacidade para transferirem esses resultados para um contexto real. Segundo a Comissão Europeia, a Indústria 5.0 “proporciona uma visão da indústria que vai além da eficiência e da produtividade como únicos objetivos, e reforça o papel e o contributo da indústria para a sociedade”, e “coloca o bem-estar do trabalhador no centro do processo de produção e utiliza novas tecnologias para proporcionar prosperidade para além do emprego e do crescimento, respeitando os limites de produção do planeta”. Complementa assim a abordagem da Indústria 4.0 ao “colocar especificamente a investigação e a inovação ao serviço da transição para uma indústria europeia sustentável, centrada no ser humano e resiliente”.
No seu cerne, a Indústria 5.0 representa uma mudança radical de paradigma, transcendendo a mera procura por valor económico para priorizar o valor social e o bem-estar humano e planetário. Essa transformação é inédita e marca um divisor de águas na história da indústria.
Embora conceitos como Responsabilidade Social das Empresas, ESG e Triple Bottom Line já defendam a importância do valor social e ambiental, a Indústria 5.0 integra-os na própria definição, colocando as pessoas e o planeta no centro da atividade industrial. Essa mudança de foco representa um afastamento definitivo do modelo tradicional centrado no lucro e no crescimento desenfreado. Esta ênfase no valor social e no bem-estar está alinhada a um movimento crescente nos últimos anos, ecoando a visão regeneradora dos negócios e da economia.
A Indústria 5.0 transcende os limites da indústria tradicional, permeando todos os setores e organizações imagináveis. A sua aplicabilidade abrangente supera significativamente a da Indústria 4.0, exigindo uma perspetiva estratégica abrangente.
Conforme detalhado na infografia da Comissão Europeia, a Indústria 5.0 assenta em três pilares fundamentais: centrada no ser humano, resiliente e sustentável. Estes três pilares têm implicações significativas para a estratégia empresarial.
A Indústria 5.0 não é apenas uma mudança tecnológica, mas uma transformação holística que exige uma visão estratégica ampla e adaptável. As empresas que abraçarem essa nova era prosperarão num mundo cada vez mais interconectado e em constante mudança.
Uma estratégia centrada no ser humano vai além da mera valorização de talentos. Trata-se de fomentar um ambiente que promova o desenvolvimento de talentos, a diversidade e a capacitação dos funcionários. Isso representa uma mudança fundamental de perspetiva: as pessoas deixam de viver para servir as organizações, para as organizações passarem a servir as pessoas.
Como anteriormente referido, a natureza desta mudança está alinhada com as tendências atuais do mercado de trabalho. Em diversos setores e países, atrair, reter e desenvolver talentos tornou-se um desafio maior do que conquistar e manter clientes. Se essa tendência continuar, as estratégias de negócios precisam urgentemente de se adaptar de modo a priorizar o talento. É precisamente isso que a Indústria 5.0 visa alcançar.
Tradicionalmente, a estratégia concentrava-se em obter uma vantagem competitiva e utilizá-la para criar valor único para os clientes. No entanto, uma abordagem verdadeiramente centrada no ser humano exige uma mudança estratégica: obter vantagem competitiva através da criação de valor único para os colaboradores. Ao adotar esta estratégia, as organizações criam uma posição win-win dado que uma força de trabalho feliz e capacitada impulsiona a inovação, a produtividade e, em última análise, a satisfação do cliente e o sucesso a longo prazo.
Conforme defendido pela Comissão Europeia, uma estratégia resiliente caracteriza-se por agilidade, adaptabilidade e tecnologias flexíveis. Diante da pandemia da Covid-19, da escassez global na cadeia de fornecimentos e dos conflitos armados da Ucrânia e Israel, poucos são os que discordam com o facto da resiliência ser fundamental, tanto no presente como para o futuro.
Neste sentido, esta mudança na Indústria 5.0 exige uma transformação mais profunda do que aparenta à primeira vista. Embora a agilidade e a flexibilidade já estejam em pauta há algum tempo, por si só, não garantem maior resiliência. Muitas são as empresas que ainda se concentram, na maioria, na eficiência e otimização de lucros, em detrimento da resiliência. E esse foco na eficiência impulsiona muitas iniciativas para tornar as empresas mais ágeis e flexíveis, especialmente na sua versão “lean“, podendo torná-las menos resilientes, em vez de as fortalecer.
Para que a resiliência se torne um dos pilares da Indústria 5.0 é necessário criar organizações capazes de antecipar, reagir e aprender de forma oportuna e sistemática com qualquer crise, garantindo assim um desempenho estável e sustentável num ambiente cada vez mais incerto e desafiador.
Num mundo cada vez mais consciente das alterações climáticas, o conceito de sustentabilidade torna-se fundamental para o sucesso das empresas. Conforme a Comissão Europeia define, uma estratégia sustentável significa “liderar ações em prol da sustentabilidade e respeitar os limites do planeta”. Isso implica, por exemplo, que as organizações devem comprometer-se com os três pilares do ESG (Ambiente, Pessoas e Governança) e com os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU.
Assim como os dois primeiros pilares da Indústria 5.0, a sustentabilidade exige uma mudança radical na maneira como as empresas operam. Até agora, os esforços nesta matéria, muitas vezes, focam-se em reduzir ou minimizar os danos causados ao meio ambiente e à sociedade. Em alguns casos, práticas como o “greenwashing” mascararam a falta de um compromisso real com a sustentabilidade. No entanto, a verdadeira sustentabilidade na estratégia de uma empresa vai além da mera mitigação de danos. Empresas verdadeiramente sustentáveis concentram-se em ampliar o seu impacto positivo no mundo.
A estratégia na Indústria 5.0 significa assim que as empresas deixam de ser parte do problema para se tornarem parte da solução. Ao adotar uma abordagem holística à sustentabilidade, as empresas podem reduzir o seu impacto ambiental, promover práticas sociais responsáveis e criar valor económico sustentável de forma ética e responsável.
Ao adotar uma estratégia sustentável, as empresas não contribuem apenas para um futuro mais verde e justo, mas também conquistam uma vantagem competitiva significativa, uma vez que consumidores, investidores e parceiros valorizam cada vez mais empresas que demonstram um compromisso genuíno com a sustentabilidade.
Embora ainda esteja nas suas fases iniciais, a Indústria 5.0 apresenta-se como um divisor de águas, impulsionando uma transformação profunda no modo como as empresas operam e se relacionam com o mundo.
Enquanto a Indústria 4.0 concentrou-se na automação e digitalização, a Indústria 5.0 coloca as pessoas, a sustentabilidade e a resiliência no centro da estratégia, abrindo caminho para um futuro mais próspero e equitativo. A receção à Indústria 5.0 varia entre empresas e indivíduos: alguns veem-na como uma oportunidade empolgante para inovar e alcançar novos patamares de sucesso, enquanto outros encaram-na com apreensão e incerteza sobre os impactos e desafios que esta trará.
Todavia, diante dos desafios e crises globais que já enfrentamos, a Indústria 5.0 surge como uma resposta necessária e promissora. A adoção da Indústria 5.0 exigirá uma mudança radical na mentalidade e nas práticas das empresas. Neste contexto, será necessário investir em novas tecnologias, desenvolver novas habilidades e repensar os modelos de negócios tradicionais. No entanto, os potenciais benefícios são imensos: maior produtividade, inovação acelerada, melhor fidelização de clientes e colaboradores, e um impacto positivo na sociedade e no meio ambiente.
A Indústria 5.0 não é apenas uma mudança tecnológica, mas sim uma transformação holística que exige uma visão abrangente e adaptável. As empresas que abraçarem esta nova era terão mais hipóteses de prosperar num mundo em constante alteração.
Paulo Reis, Diretor-Geral FI Group Portugal